Movimento Outubro Místico resgata o folclore da Ilha da Magia
O projeto Outubro Místico, transformado em lei aprovada pela Câmara de Vereadores e já sancionada pelo prefeito Gean Loureiro (DEM), deve produzir um efeito multiplicador no embalo de resgate e enriquecimento cultural de Desterro, a começar pelas bruxas, que vão ganhar a sua própria identidade.
Parte dos nativos cultiva o legado folclórico açoriano, recomposto pelo pesquisador Franklin Cascaes, o seu Francolino.
O movimento Outubro Místico nasceu da inquietação de um grupo de pessoas preocupadas com a amnésia cultural de Florianópolis. Muitos moradores nunca ouviram falar de capítulos importantes da história do Brasil, como a união dos revolucionários federalistas dos três Estados do Sul do Brasil, que transformaram Desterro em sede da república independente por seis meses no final do século 19, e a reação do governo de Floriano Peixoto, que assassinou 185 moradores na Ilha de Anhatomirim.
Foi no dia 4 de outubro de 2019 que o grupo iniciou o movimento, ocupando o entorno da Praça 15 com o Baile Místico, reunindo cerca de 500 pessoas em um desfile alegre e musical, com fantasias de bruxas, boitatás e outras figuras folclóricas e alegorias que lembraram os 125 anos da imposição do nome Floriano para apagar Desterro.
Assim, a Ilha passou a denominar-se Florianópolis, a cidade de Floriano, que mandou trucidar líderes, empresários, políticos e tantos outros, para dar desfecho definitivo à questão federalista, como lembra a professora Vera Colaço, da Udesc, para quem o nome Desterro era abominado pelos seguidores de Floriano Peixoto, que o interpretava como palavra de rebeldia.
Franklin Cascaes, que também teve três parentes assassinados em Anhatomirim, negou-se até a morte a usar Florianópolis como nome da sua cidade.
Tradição fortalecida
O prefeito Gean Loureiro e todos os vereadores abraçaram o desafio do Movimento Místico, nascido do furor do baile que começou a despertar a cidade para a sua cultura. “A prefeitura e a Câmara fortalecem a reação do grupo e, com certeza, Floripa passa também a ser conhecida pela sua rica história e folclore”, disse o empresário e publicitário Roberto Costa.
Gean Loureiro admite que “se a pandemia não atrapalhar, o Outubro Místico terá uma boa programação ainda este ano”.
No ato de aprovação da lei pelo prefeito foi lançado o livro “1º Baile Místico”, que reúne histórias, opiniões e detalhes do evento que movimentou o Centro da cidade em 4 de outubro de 2019.
“Hoje queremos rememorar uma parte desta história, que foi sepultada e encoberta. Silenciada. E é muito importante trazer à memória para que possamos pacificar a dor e liberar as almas que viveram um momento trágico em nossa então pacata Nossa Senhora do Desterro”, conclamou o Padre Vilson Groh, do adro da Catedral, naquele 4 de outubro de 2019.
Resgate do passado e valorização do patrimônio
O grupo, formado inicialmente por Adriana Aparecida de Brito, Alessandra Gutierrez, Fernando Guedert, Flora Bazzo, Peninha, Jackson Cardoso, José R. Kowalski, Laudelino J. Sardá, Leonardo Garofallis, Lúcia Prazeres, Márcia R. Teschner, Bebel Orofino, Norma Bruno, Roberto Costa, Rodrigo Rosa, Roseli Pereira, Sandra Makowiecky, Sandra Nunes, Sílvia Lenzi, Sandra Ramalho, Valdemir Klamt, Vera Collaço e Zena Becker, vai desenvolver um plano destinado a tornar a história e a cultura como essência do cotidiano de Florianópolis, valorizando patrimônios, resgate de um rico passado e a disseminação do folclore e mitologia para levar os habitantes e turistas a sentirem o sabor da Ilha da Magia, numa simbiose com a singularidade da sua natureza.
A presidente do Floripa Sustentável, Zena Becker, aposta que o resgate e promoção da cultura e história vão ajudar muito a atrair mais turistas e a repensar o futuro da cidade. “Não se admitem estratégias turísticas divorciadas da cultura, ainda mais Floripa, rica em folclore”, observa. Para a subsecretária municipal de Turismo, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, Roseli Pereira, o esforço integrado da prefeitura, Câmara e o Movimento Místico significará um avanço substancial do desenvolvimento e valorização da cultura da Capital.
Contraponto às ideias importadas
A professora Sandra Makowiecky, do Centro de Artes da Udesc e diretora do Museu da Escola Catarinense, explica que a proposta do Grande Baile Místico é oferecer contraponto às ideias importadas com o Halloween e realizar, todo ano, uma Festa da Magia na Ilha, com a valorização da mitologia local. E, com isso, figuras do folclore local, como a bruxa, ganham dimensão no cenário da cultura brasileira.
Aqui, as bruxas existem desde os primeiros habitantes de Desterro. O navegador russo G.H. von Langsdorff, ao conhecer a Ilha em 1803, relatou uma cena de danças e misticismo de escravos: “A maior destreza foi apresentada por uma negra seminua que movimentava os quadris com gestos artísticos e ligeiríssimos dos pés. A deformação dos músculos do rosto, assoprando as bochechas e outros gestos horríveis faziam parte da dança”.
Misticismo secular
O escritor Virgílio Várzea, descreveu em um de seus contos em 1886, uma cena da brincadeira da cabra cega, em Canasvieiras. Um jovem de olhos vedados com um pano tonteava-se no meio de uma roda de gente, que gritava, cantava, endoidando o embotado, que só podia ouvir:
– Cabra cega de ondem vens? (indagavam os brincalhões)
– Venho do moinho!
– O que é que trazes?
– UM saquinho de farinha
– Dá-me um bocadinho?
– Não te dou, não!
As três pedras irmãs
Gelci José Coelho, conhecido por Peninha, coadjuvante de Franklin Cascaes, fez a cidade acreditar que as três pedras irmãs de Itaguaçu era bruxas petrificadas. E contesta os que interpretam as bruxas de Desterro como uma figura medonha. “Isso é apenas para enganar, pois elas são formosíssimas, e geralmente as morenas de olhos verdes são suspeitas, mas que não podem se identificar porque poderiam perder o fado”.
A abastança folclórica de Florianópolis é produto das pesquisas realizadas por Cascaes, que nos anos 70, principalmente, enviou cartas para ministro, governador, parlamentares e prefeito da Capital pedindo apoio, “porque na minha terra as autoridades são culturalmente surdas; ninguém até hoje sonha em atender ao meu apelo cultural”.
Cascaes confessa que nunca pediu dinheiro e nem salário, “porque sempre tive o amor pelo folclore, que desde 1948 me leva a conviver com nativos em busca de informação”. Suas pesquisas folclóricas, que reconstruíram a história e o misticismo da Ilha, vão das danças dos bichos, boitatás, procissão de Nosso Senhor Jesus dos Passos, os segredos e peculiaridades dos pescadores, as feiticeiras, boi de mamão, benzedura, a arte das rendeiras e a dezenas de atrativos do cenário cultural.
Oração para as bruxas
Gelci José Coelho
(Peninha)
Com o signo de Salomão
Eu te benzo com a vela benta
Na Sexta-Feira da Paixão
Treze raios tem o Sol
Treze raios tem a Lua
Salta demonho pro inferno
Que essa alma não é tua
Tosca marosca
Rabo de rosca
Novelo na tua mão
Relho na tua bunda
Aguilhão nos teus pés
Por debaixo do silvado e
Por cima do telhado
Em nome de São Pedro
São Paulo e
São Fontista
Por dentro da casa São João Batista
Bruxa Tatarabruxa
Ser encantado e de grande sabedoria
Avoa por toda a Ilha
Numa linda canção
Para fazer tudo o que é bom
Trazer à tona a nossa história, a nossa memória
A nossa tradição
Bruxa tatarabruxa, venha dançar
Nesse Grande Baile Místico
Com todas as pessoas reunidas
Venha brincar, cantar, dançar e se divertir
Venham viver as maravilhas da nossa herança cultural
Voando com toda elegância
Para a linda festa que vai contar
Muito da história da nossa gente
Por todos os santos dos santos
Amém
(ND, 25/07/2021)